sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Ainda as eleições americanas e o racismo

Este tema tem suscitado comentários bastante extremistas, havendo aqueles que durante meses afirmaram que o racismo dos americanos nunca permitiria a eleição de Obama, como outros que, depois da sua vitória, celebraram o fim do racismo nos Estados Unidos. Eu diria que nem uma coisa nem outra. E se a vitória de Obama no dia 4 foi uma boa demonstração de como a primeira ideia estava errada, o seguinte mapa pode ajudar-nos a compreender que esta última tese não é igualmente válida.


O mapa refere-se aos condados onde McCain teve melhores resultados que Bush em 2004. O que encontramos? Com as excepções óbvias - Alaska (Palin), Arizona (McCain) e Louisiana (ainda efeitos do Katrina) - esse crescimento eleitoral verificou-se quase exclusivamente numa longa faixa geográfica que incorpora a Appalachia (Virgínia Ocidental, Kentucky, Tennessee) e os conservadores Estados do Arkansas e do Oklahoma.

Tratam-se de Estados tipicamente Republicanos? Não. Vários Democratas ocupam posições políticas relevantes (a nível local, estadual ou federal) nestas regiões, e embora sejam recentemente fiéis aos Republicanos em eleições presidenciais, muitos destes Estados votaram por exemplo em Clinton em 92 e 96.

Tratam-se de Estados particularmente sensíveis à mensagem política de McCain? Não. Nenhum destes Estados tem economias saudáveis, pelo que o discurso contra os "interesses financeiros" e a favor dos cortes de impostos para os mais abastados não tem aqui grande ressonância. Além disso, são Estados com alguma pobreza, pelo que a "mensagem social" Democrata até poderia valer muitos votos...

O que está em causa não é um apoio particular a McCain, mas uma rejeição de Barack Obama - em especial pelo facto de ser negro. Estas são regiões muito conservadoras, com uma população pouco educada, tipicamente rural e avessa seguramente à ideia de um Presidente negro. Não por acaso foram Estados que deram vitórias claras a Hillary Clinton nas Primárias e onde as "exit polls" encontraram focos de racismo mais expressivos.

Em suma, a vitória de Obama mostrou que a América, como um todo, foi capaz de transcender os limites raciais e eleger um chefe de Estado de uma etnia minoritária (algo raro e notável); mas não devemos com isto concluir que não existem focos pronunciados de racismo nos Estados Unidos.

4 comentários:

Miguel Madeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel Madeira disse...

Estes mapas também podem querer dizer alguma coisa (sobretudo o segundo).

JG disse...

«mas não devemos com isto concluir que não existem focos pronunciados de racismo nos Estados Unidos.»

Excelente, esta análise!
Mas, deixe-me acrescentar: em toda a Europa, Portugal incluído,tal fenómeno existe. Só não sei se ainda mais acentuado.

José Gomes André disse...

Caro Miguel, obrigado pelos mapas. Servem de excelente complemento ao argumento que aqui descrevi..

Caro Jg, obrigado pelo comentário. E claro que subscrevo o que disse: há racismo na Europa, em Portugal e nos EUA. Mais acentuado em terras lusas? Creio que é impossível medir uma situação dessas, até porque tem diversas ramificações sociológicas, e não apenas políticas. Um abraço!